quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Rabiscos de Primavera

Respiras, entre a vida quase morta,
suspiros do meio dia e caras fechadas aos domingos.
Sonhas com aroma de café em teus dias mais nublados,
enquanto mulheres se apaixonam por vozes que não são a tua.

As nostálgicas letras que teu fone de ouvido cantam
Transportam-te para os passados saudosos
Ainda que estejas presente no presente do agora

Ares de terras distantes botam ciscos nos teus olhos amendoados
Pois carregas na mochila encantos perdidos,
paixões incompreendidas e crenças inacabadas.

Choras Drummond silenciosamente
Por sorrisos que não te pertencem
E olhares que não te perseguem.

A tua poesia não tem rima, nem forma, nem força
Mas evocas de todas as maneiras que o alfabeto te dá
As vidas que viveu e as que deixaste de viver.

O medo do não-feito é a insônia nas noites abafadas,
de cabelos desarrumados
e olheiras profundas.

Os calafrios que estremeciam os músculos de teu corpo
E erguiam militarmente os pelos de tua pele
Eram apenas mais vozes que se juntavam ao coro, que dizia:

A tua insegurança roubou teus beijos de primavera.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Altar ao deus Fracasso

O vento que uiva entre as frestas de tuas janelas
te vaia pelas derrotas acumuladas.
Sentes o gosto amargo do fracasso
em todas atividades que julgastes dominar.

Teus olhos se fecham insistentemente enquanto trabalhas
miseravelmente para morar de forma miserável.
Almoças o que teu dinheiro compra.
Vendes mãos, pernas e cabeça para empresas que riem de tuas palavras
e soterram tuas ambições.

Pintas de palhaço teu rosto.
Abraças a ordem irracional e doentia da sociedade
já que não podes revertê-la durante os momentos
em que deslizas débil e fraco por ruas esburacadas.

Materializas armas de fogo imaginárias
para erradicar a fome, o choro, o frio.
Permites que sejas um pedaço sonolento de carne
fatiado, frito e devorado pelos poderosos carnívoros
que degustam, digerem e defecam toda e qualquer sobra de alma
nos resquícios de planeta respirante.

Te arrependes do passado como mãe que torcia a feição para a filha
mendigando abraços em frente a escola, aos seis anos de idade
e agora, de cama, sente o corpo quente de sua primogênita ao receber o afago sincero.

Sentes medo, angústia, temor e raiva.
Vês que os olhares desconhecidos evitam os teus,
como evitas os dos moradores de rua, que exalam carência e suplicam
por um ouvido que os ouça.
Sentes que tens mais para ofertar, antes de entregar-se à comunhão dos anjos.

Mas sabes que não crias novidade alguma.
Só choras, ri, se revolta como tantos outros já fizeram antes.
E a mão pesada da realidade atinge teu estômago
para que te curves, eternamente, àquele que rege a vida dos vivos,
condena à morte os que não estão mortos e repreende os mortos-vivos.
Àquele que passeia nos jardins dos transeuntes
cheirando a expectativa não tocada, inexpressiva e desamparada.

Fizestes da tua vida um altar ao deus Fracasso.

domingo, 25 de agosto de 2013

No dia em que nasceu

Um aglomerado de gente olha para o fim do horizonte
crendo que ali, onde a terra toca o restante do universo
seu zé descansaria o corpo curvado e ressecado.
Os passos secos na rua de terra ecoavam nos ouvidos dos vivos e dos mortos.
Range como quem grita a dor da perda o portão de ferro enferrujado.
Cochicha baixinho a brisa do verão.
A vela se desmancha, chorosa, na mão da mulher
que lidera a multidão solenemente curiosa.
Eles não veem a escuridão do dia,
apesar do sol quente que envermelha suas cabeças.
Não há pedra sobre pedra,
nem pedra sobre coisa alguma.
Há sim um silêncio pesado,
como a pressão nos pulmões de quem mergulha, de súbito, na piscina da morte.

Como pode a vida acabar-se dentro de uma caixa?

A vida é como um cachorro
que, cansado de brincar com um pedaço de osso, cava um buraco, o põe lá dentro
e tapa cuidadosamente.
Tem-se aqui um bolo de aniversário
de terra e velas que cobrem o pobre zé.
Pobre zé.
Nem sempre quem morre é porque um dia já viveu.

Eternamente fechados, seus olhos não verão o pranto dos que permanecem deste lado.
Não vêem o menino, curioso, espiando o rito
entre uma fresta generosamente aberta no murinho do cemitério.
mas se zé pudesse ver (e ouvir e pensar),
diria, como disse certa vez o músico
“como pode alguém morrer no mesmo dia em que nasceu?”

terça-feira, 16 de julho de 2013

Dez mil pés

No mais privado dos locais públicos ela permanecia sentada. Que inquietantes questões perpassavam sua cabeça, protegida por longos e negros cabelos, só era possível especular. O olhar profundamente vago causava um interesse espantoso de todos que passavam por aquele banco desconfortável.
Que impacientes receios a afligem? Pensa, enquanto se distrai com o mais simples caminhar desconhecido, nas traições da vida? Recobre-se de dúvidas à procura da sua verdade? Enrola-se no fio que enosa suas mentiras? Busca, em vão, a sua perpétua felicidade? Sabe ela que felicidade eterna não existe?
É o sentido da vida que lhe rouba a tranquilidade, moça dos olhos castanhos? Por que não relaxas enquanto o tempo passa como tem que passar? É a espera que te atordoa e soca o estômago? Ou é o tempo passar que te revolta, põe fim a paciência que um dia te preencheu por completo? A vida não para. Tu bem sabes disso. Nós sabemos. Mas o que te faz dar passos apressados, perdidos de um lado para o outro, isso não sei. Nem tu sabes.
Sei que, uma hora dessas, precisarás se acalmar. Por que gente que corre demais um dia tropeça nas próprias pernas. E nesse momento, se precisares de mim, já estarei a dez mil pés de altura, engolindo refrigerantes sem gás e mastigando petiscos os quais não gostaria de comer. 

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Vozes Estrangeiras

Ouço sussurros de vozes irreconhecíveis
Vindos da sala ao lado
Num idioma que não fala minha língua

O que dizem essas vozes?

Sentam-se no bar
Pedem uma cerveja
E discutem política?
São casais que suspiram e
Se derramam num mar de amores impossíveis?
Marcham pelas ruas, com cartazes e faixas
Bradando uma revolução?
Dançam cirandas sorridentes
Sob o olhar atento de seus pais?
Cospem xingamentos
Numa discussão sem fundamentos?

Ou são apenas sussurros
De vozes da sala ao lado
Os quais não ouso compreender?

domingo, 7 de julho de 2013

Prece

Deus, se estás aí em cima
Vigiando o céu e a terra
Afasta desse homem a inocência.
Por que a inocência, meu Deus
É o pior defeito do homem.

sábado, 6 de julho de 2013

Do que adianta dizer-se poeta?

Do que adianta dizer-se poeta
E nem saber poetizar?
Poesia é palavra solta no ar
voando com o vento.
Do que adianta dizer-se poeta
Se palavra o vento não diz
E o que digo não é poesia?
Do que adianta dizer-se poeta
Se a vida compreende entendimento
Que dia algum julgarei entender?
É, do que adianta dizer-se poeta
Se escrevendo essa poesia
Encho a folha de letras e não sinto a mente vazia?