O dia estava quente. Não havia Sol nenhum no céu. Mas o dia
estava quente. Um dia atípico de inverno. Sem chuva e quente.
Numa casa daquele bairro humilde, alguém despertava. Demorou
a abrir os olhos como quem duvide que eles possam reabrir. Levantou com a mesma
dificuldade. Calçou os chinelos desgastados e cheio de marcas, assim como seu
rosto. Colocou água para esquentar.
Era um dia atípico de inverno e um dia atípico para aquele
velho homem. Tomou seu café da manhã preparado com sacrifício de quem faz um
esforço maior do que deveria. Ainda sentia sono. Tossiu diversas vezes enquanto
tomava banho, trêmulo, lentamente. Vestiu seu antigo terno preferido, da época
em que ainda era convidado para eventos importantes. Hoje já não era mais o
mesmo aviador de antigamente. Aposentara-se. Foi o primeiro amor que foi
obrigado a se afastar.
O barulho das chaves balançando o incomodava. Abriu o mais
rápido que pode a porta de casa e saiu cambaleando vagarosamente pela rua que
amanhecera a pouco. As pálpebras pesavam, talvez de cansaço, talvez de sono.
Duas, três, quatro. Cinco quadras. Chegou ao lugar onde sempre fora, de uns
anos pra cá. Estava vazio. Estranho como, ano após ano, estava mais vazio. Não
somente o lugar, mas ele próprio.
Se arrastando pelo local, leu inúmeras frases que já lera
antes, todas falavam sobre o mesmo tema. Aquele que ninguém gostava de falar.
Aquele que há muito o perturbava, mas que agora, já era quase uma boa amiga. O
vinha chamando, cada vez mais alto.
A frase que ele mais conhecia, estava escrita no mármore
frio e sem vida. Os olhos piscavam. Ficou ali parado por alguns instantes. “Aceita a morte como tua amiga e ela te
tomará pela mão quando quiserdes ver Deus”. Como todos os anos, chorou. Mas
dessa vez não um choro de tristeza. Era um choro de compreensão.
Ali estava o segundo amor que fora obrigado a se afastar. A
morte o tinha separado dela. Mas, agora, ela estava oferecendo a mão. Quem
sabe, para reencontrar um de seus amores. Quem sabe, os dois. E todo o
sofrimento de anos e mais anos cessariam. Deitou-se com muita dificuldade ali,
ao lado daquela lápide. Sentiu todo o cansaço fluir de seu corpo. Fechou os
olhos. Enfim, adormeceu.
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