quarta-feira, 13 de junho de 2012

Não é preciso morrer pra ver Deus


O dia estava quente. Não havia Sol nenhum no céu. Mas o dia estava quente. Um dia atípico de inverno. Sem chuva e quente.
Numa casa daquele bairro humilde, alguém despertava. Demorou a abrir os olhos como quem duvide que eles possam reabrir. Levantou com a mesma dificuldade. Calçou os chinelos desgastados e cheio de marcas, assim como seu rosto. Colocou água para esquentar.
Era um dia atípico de inverno e um dia atípico para aquele velho homem. Tomou seu café da manhã preparado com sacrifício de quem faz um esforço maior do que deveria. Ainda sentia sono. Tossiu diversas vezes enquanto tomava banho, trêmulo, lentamente. Vestiu seu antigo terno preferido, da época em que ainda era convidado para eventos importantes. Hoje já não era mais o mesmo aviador de antigamente. Aposentara-se. Foi o primeiro amor que foi obrigado a se afastar.
O barulho das chaves balançando o incomodava. Abriu o mais rápido que pode a porta de casa e saiu cambaleando vagarosamente pela rua que amanhecera a pouco. As pálpebras pesavam, talvez de cansaço, talvez de sono. Duas, três, quatro. Cinco quadras. Chegou ao lugar onde sempre fora, de uns anos pra cá. Estava vazio. Estranho como, ano após ano, estava mais vazio. Não somente o lugar, mas ele próprio.
Se arrastando pelo local, leu inúmeras frases que já lera antes, todas falavam sobre o mesmo tema. Aquele que ninguém gostava de falar. Aquele que há muito o perturbava, mas que agora, já era quase uma boa amiga. O vinha chamando, cada vez mais alto.
A frase que ele mais conhecia, estava escrita no mármore frio e sem vida. Os olhos piscavam. Ficou ali parado por alguns instantes. “Aceita a morte como tua amiga e ela te tomará pela mão quando quiserdes ver Deus”. Como todos os anos, chorou. Mas dessa vez não um choro de tristeza. Era um choro de compreensão.
Ali estava o segundo amor que fora obrigado a se afastar. A morte o tinha separado dela. Mas, agora, ela estava oferecendo a mão. Quem sabe, para reencontrar um de seus amores. Quem sabe, os dois. E todo o sofrimento de anos e mais anos cessariam. Deitou-se com muita dificuldade ali, ao lado daquela lápide. Sentiu todo o cansaço fluir de seu corpo. Fechou os olhos. Enfim, adormeceu.

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