segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A última manhã

Bip. Bip.
Numa cama de hospital, um homem abria os olhos lentamente. Seu corpo doía. Seus olhos estavam cansados, rodeados de rugas que se acentuavam com o tempo. Os cabelos já rareavam bastante e eram esbranquiçados. Uma expressão cansada e sofrida havia se apossado daquele rosto outrora tão sorridente e bem humorado.

Bip. Bip.
Um aparelho, a meio metro acima de sua cabeça, mostrava números. Números que não se repetiam. 128. E mudaram. 109. 96. 117. Um gráfico os acompanhava, numa montanha russa. Sempre seguido de um Bip.
Agulhas furavam seu braço, seguidas de tubos pelos quais medicamentos eram injetados. Sentia-se agoniado. Queria levantar, voltar a ver o Sol. Queria poder abraçar sua mulher, de novo. E seus filhos. E os netos. Queria voltar a correr. Principalmente atrás daquela bola, de couro, pesada, que rolava estranhamente pelos campos verdes do interior de São Paulo. Queria voltar a marcar um gol. Ah, como era incrível aquela sensação.

Porém, agora, só conseguia ver as pessoas que amava. Mal conseguia falar sem ficar fraco, sem ar. E o futebol? Naquela sala de cheiro ruim e azedo, só conseguia pensar sobre aquele clube rubronegro. Jogar? Só nas lembranças de 40, 50 anos atrás.
Noite passada recebera visitas, como de costume. Ninguém havia se demorado muito. Talvez por medo de sofrerem ainda mais, pensava o homem. "É melhor assim. Não quero que sintam pena."
Ouviu muitos "Eu te amo". Pensou que deveria ter demonstrado mais, enquanto tinha condições. E quando sua mulher e seus filhos foram embora, deixou que uma lágrima rolasse. Não queria que eles o vissem ainda mais vulnerável.
Mas naquela manhã, acordara mais forte. Não fisicamente. Seus braços e pernas doíam. Respirava pesadamente. O coração já batia fraco. Entretanto, sentia que estava "bem". 
"Acho que é a hora" pensou ele.
Bip. Bip.
Uma enfermeira passou no corredor fazendo barulho ao caminhar apressadamente.
Bip...Bip...Bip...
"Afinal, a droga do meu medo acabou por se concretizar. Vim para o Hospital, a contragosto. E cá estou eu. Indo embora dele"
Riu um riso fraco. 
Bip... Bip...
Sorriu.
"Tudo bem, já tô indo"
E o gráfico que subia e descia, foi parando. E o número que trocava, foi caindo. No aparelho, foi visto uma linha. 
Os olhos se renderam ao cansaço.
Biiiiiiiiiiiip.

Vários telefones tocaram naquela manhã. Muitas lágrimas foram derramadas. Muitas bem perto.
Mas há 2 mil quilômetros de distância, um celular tocou, um rapaz acordou e atendeu.
"Alô?" uma voz embriagada de sono soou para o outro lado.

"Oi filho. Tenho uma notícia pra te dar"
E o coração dele já sabia. 
Então juntou-se ao mar de lágrimas. E chorou.

Um comentário:

  1. Triste o que acontece com a gente..mas você consegue contar de uma forma linda,com as melhores palavras possiveis,hoje ele está em paz,quem sabe marcando gols no céu.

    ResponderExcluir