Eu estava sentado na minha cadeirinha velha, como eu, de balanço. O dia
estava muito abafado, como de costume nos verões dos últimos anos. As coisas
não eram mais as mesmas. Lia um antigo jornal que tinha achado amassado no meio
das minhas tralhas, da época em que ainda escrevia pra'quele jornal tão
importante que hoje já nem existe mais. Vi meu nome assinando uma matéria
simples sobre um político corrupto, tão comum naquela época. Meus olhos se
encheram de lágrimas e algumas delas escorreram pelo meu rosto pálido e agora
cheio de marcas do tempo.
Então ouvi a voz daquela mulher que há mais de 50 anos atrás eu tinha
escolhido pra mim, dizer “ você
pode vir aqui, querido ?”. Fechei o jornal cuidadosa e
vagarosamente, levantei com dificuldade e caminhei lentamente até o quarto onde
dormíamos juntos a tanto tempo. Estava com uma sensação esquisita, devia estar
esquecendo alguma coisa. Entrei no quarto e encontrei aqueles olhos castanhos
que tanto me encantavam olhando fixamente para os meus, com um pequeno sorriso
no rosto, aquele sorriso que só ela possuía. Um pacotinho embrulhado
delicadamente por um papel azul com uma lacinho vermelho estava ao lado dela,
na cama. Porque aquele presente estava ali ? Iríamos a alguma festa que eu não
sabia ? Ela fez um gesto com a mão pra que eu sentasse ao lado dela. Caminhei
devagar e sentei-me ao seu lado. Continuou me olhando por algum tempo, antes de
colocar uma das suas mãos desgastadas pelo tempo, mas bem cuidadas, com as
unhas sempre pintadas, belas, em meu rosto de aparência cansada e me dar um
beijo leve. Aqueles lábios tão bem desenhados que ela possuía, agora não eram
os mesmos, mas ainda assim me agradavam e muito. Sorri bobamente antes de
perguntá-la “Nós vamos a
alguma festa?” e
ela me disse que não. “Então
porque o presente?”. Franziu a testa ao ouvir minha frase. Eu
deveria me lembrar de algo ? Será que era aniversário de um dos nossos filhos ?
Não, se fosse nós iríamos até lá... Minha memória não era mais a mesma. Coisas
"menos" importantes tinham sumido completamente da minha cabeça, como
se nunca tivessem existido.
“Você não sabe que dia é hoje?”. Não era o aniversário de nosso casamento, fora há
dois...dois ? Ou três meses ? Bom, não era o aniversário de casamento.
Fiz que não com a cabeça, confuso. Ela se espantou. “Como você não lembra”. Deus, o
que eu estava esquecendo ? Isso estava me perturbando. Olhei fixamente para o
rosto daquela que eu amava a tanto e fixei os olhos novamente nos lábios dela.
Pedi-lhe um beijo. Ela disse que não, enquanto não adivinhasse qual era o dia
de hoje. Insisti e ela continuou a negar. Sorri, me lembrando de uma carta que
tinha recebido dela, quanto ainda tinha 19 anos. “Menino dócil, dos lábios ansiosos, suplica
pelos meus?” recitei, baixinho. Um sorriso habitou novamente o
rosto cansado daquela mulher e seus olhos tão lindos encheram - se de lágrimas.
Me deu um beijo muito carinhoso, como nos velhos tempos. Aquela frase residiu
em minha mente desde o momento em que a li, naquela madrugada, antes de ir
dormir.
Depois do beijo, então, como se não acreditando no
que eu tinha capacidade de lembrar e o de esquecer, ela me entregou o pacote
embrulhado e disse, sorrindo lindamente “Feliz Aniversário, meu amor!”.
Sera que um dia, tu lembraras dos rostos cansados e dos olhos de esperança que tanto acreditam em ti? Seremos dignos de tuas sabias e poeticas palavras quando nosso entendimento estiver como o protagonista desta história? Nostaugico e romantico como é, tenho certeza que sim! Te amo sobrinho.
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