quarta-feira, 3 de abril de 2013

Um final bem mais feliz

A brisa amena toca meu rosto devastado pelo tempo. Meus olhos ressecados fitam o céu que começa a ficar nublado ao poucos. O chão áspero castiga meus pequenos chinelos de dedo sob meus pés. Ah, pés, por onde já não estivestes? Por quais sonhos já não passeastes? Por quantas nuvens do céu não tocastes enquanto voava perdida num mundo só meu?

Estes são sonhos de criança. Criança esta que já não sou.

Meus pés agora estão fixos em todo esse mar de concreto. Tão fixos quanto meus olhos, que agora procuram uma silhueta que me indique a chegada dele. Ele, aquele que um dia tirou estes mesmos pés e olhos da órbita natural desse planeta.

O Sol no horizonte se deita. E por que eu não me deito também? Por que não caio de vez na cama do fim da vida? O descanso com certeza seria o melhor de todos os que tive até hoje. Ainda assim, continuo imóvel, balançada levemente apenas pela sinfonia da respiração. Entra ar. Sai ar. Entra ar. Sai ar. Só não entra de novo aquilo que já quis ser. Só não sai aquilo que entrou, ficou, e que até este momento fez seu aconchego em mim.

No fim da rua, de súbito, uma sombra vai tomando forma. Caminha em minha direção. É ele, de novo. Como em todos os dias desses últimos 40 anos. Mas, e se não fosse ele? E se desta vez fosse aquele jovem rapaz de sorrisos fáceis e mão afetuosa? E se fosse aquele homem de cabelos claros, olhos vibrantes? Ah, e se fosse o rapaz de boa aparência, de cheiro inebriante e pele macia? Não. É ele. De novo ele.

Onde foi que me perdi, para que chegasse a tal ponto? O rosto que vejo agora não é mais o mesmo. Não pela passagem de tempo, isso vem pra todos nós. Eu mesma já não tenho mais o brilho dos olhos. Nem a pele lisinha. Muito menos os cabelos fortes e bonitos. Contudo, a mudança nele é outra. A dureza dos seus traços me dão calafrios. O filme esculpido dentro da minha cabeça é muito claro. Aquele punho se fechando e aquele tom de voz agressivo nunca serão esquecidos. E ainda assim, aqui estou. Travada como um prego fincado na madeira por um martelo pesado. Não saí do lugar.

Me pergunto o porquê. Talvez o receio da obscuridade eterna me acorrente. Talvez esse meu filho, que há pouco passou apressado por mim de mochila nas costas, me faça ficar. Talvez o vislumbre de uma vingança, que nunca veio, sussurre ao meu ouvido para esperar. Seja qual for o motivo, aqui estou. De frente à porta dessa casa construída com tanto esforço. Vendo o rosto daquele homem se aproximar sem nem mencionar um sorriso. Ouvindo aquele “oi” mal humorado, enquanto a chaleira começa a apitar lá na cozinha.

O café fica pronto. O jantar, depois, também. E eu, deitada nessa cama onde dois solteiros formam, por nome, um casal, revisito todos aqueles rostos que me sorriam. Eu aqui, solitariamente casada, sinto saudade de todas as vezes que saí de casa com os amigos. De todas as vezes que namorei aqueles rapazes e homens. E de como eram diferentes e divertidos.

Namoro em pensamento cada um deles, novamente. Mesmo que eu saiba, prestes a adormecer, que tenha me casado com meu primeiro e único namorado. Ainda assim, sinto saudade de todos os meus namorados. De todos e de cada um. Por que algum, quem sabe, me daria um final bem mais feliz.

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